segunda-feira, março 27, 2006

Well, I got one foot on the platform



Ficou sentado no sofá aquilo que lhe pareceram poucos minutos. Depois levantou-se devagar, e procurou o frigorífico. Oh there’s no one like the blonde one, pensou enquanto um trago fresco lhe aliviou o trânsito de pensamentos. Deixou-se ficar enconstado à banca da cozinha a pensar no que pensar. Esperou tantos anos (talvez não tantos, alguns que seja) por aquele telefonema e agora só conseguia reagir com a apatia daqueles que são apanhados desprevenidos. Correu a memória para se lembrar porque se tinham chateado. Acabou por desistir porque a memoria é traiçoeira. Apodera-se de cheiros, lugares e momentos e faz deles o que quer. A dele só gostava de guardar a luz da pele dela e o cheiro do seu cabelo, tudo o resto estava desfocado num estranho filme mudo. Por isso mesmo custou-lhe reconstruir o dia em que ela foi. Sempre soube que ela lhe ligaria, mais tarde ou mais cedo. Por isso mesmo prometeu que nunca seria ele a fazê-lo. Tinha decidido. Tinha escondido qualquer coisa que lhe faltara em instantes organizados. Numa vida planeada. Criou rotinas (de dia, de vida, de esquecimento, de estar). No entanto esquecera-se de planear como reagir. Já nem se lembrava se tinha respondido. Muito menos sabia o que fazer. E não podia, não queria. Se ela viesse quando não o visse, talvez ponderasse. Ela viria? Talvez viesse. Ele amá-la-ia como sempre, sem passado. E ela adormeceria nos lençóis pretos, para sempre. Talvez na manhã seguinte acordasse com fome de mundo e sairia descalça para os saltos finos não acordarem a casa ao pisarem o mármore preto. E depois que faria ele? When enough is enough? Não. Não ia. Antes ali sozinho. Ela não lhe podia pedir mais isso. Não podia apagar tantos anos de silêncio (talvez não tantos, alguns que seja) com só um as-oito-naquele-restaurante. Um simples telefonema sem a capacidade de o surpreender, que nunca teve. Não, não ia. Não ia despir o fato, nem deixar a casa. Tinha uma vida. Simples, organizada e nada complicada. Tinha o labrador cor de sonho, os vidros enormes e um armário estupidamente organizado e recheado. Tinha o trabalho (trabalho?) e o gira-discos. Tinha prateleiras de livros e filmes, festas constantes, um ou outro copo. Tinha um horário, uma agenda e um monte relógios. E a casa (dos seus sonhos). Uma casa grande, confortável, linda. Onde o silêncio pingava pedaços dela. Quieta. Demasiado quieta.
The other foot on the train.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

honestamente não sei que te diga.
..'quero pouco, não sei que quero, deixei de dizer prometi-te acho que te prometi, não sei que beba.
sei que está estupidamente bem escrito e q é o melhor que já escreveste. sei que és tu e que sou eu. sei que somos nós. Mas também sei que é ele. sempre ele... pode ser q seja d vez.. n ligues, passa como spr. adoro-te

6:35 da tarde  
Blogger António Pedro said...

Este texto está mesmo muito bom...Parabéns!

Bem, para evitar clichés, fico-me por aqui...

12:56 da manhã  

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